Sempre foi curiosa a relação da SEGA com algumas de suas IPs extremamente famosas no mercado oriental. Conhecida como Ryū ga Gotoku no mercado japonês, a SEGA acreditava que a popularidade do jogo era nichada e, portanto, raramente faria algum estrondo financeiro no ocidente.
Aos poucos e com alguns anos de diferença entre lançamentos, a distribuidora decidiu lançar os jogos, sob o selo Yakuza, no ocidente. Aos poucos, os jogos começaram a se tornar extremamente populares a ponto de hoje, enfim, serem lançados simultaneamente como ocorreu no último game então inédito da saga com Yakuza: Like a Dragon.
O caso de Like a Dragon: Ishin! é ainda mais interessante por ser uma obra derivada da saga principal que traz a história do criminoso de bom coração Kazuma Kiryu. O game foi originalmente lançado em 2014 para o clássico PlayStation 3 trazendo uma abordagem bastante diferente: sai de cena os períodos contemporâneos para convidar o jogador a se aventurar em pleno Bakumatsu, o declínio dos últimos anos do período Edo e do Xogunato Tokugawa.
Agora, quase uma década depois do lançamento do jogo original, a SEGA decidiu trazer a obra neste remake que era muito pedido pelos fãs da franquia. Felizmente, a obra é mais um dos jogos perfeitos para diversos novatos conhecerem a saga pela primeira vez.
Onde o real se mistura com a ficção
Como de costume, a trama de Like a Dragon: Ishin! traz todo o pedigree necessário para conquistar o interesse do jogador logo nos primeiros minutos. Ainda que o jogo retrate um período extremamente conturbado da história do Japão, trazendo o fim de uma ditadura militar feudal secular com diversos nomes e personagens que realmente existiram, existe toda a interpretação dos fatos no melhor estilo da saga.
O jogador controla o samurai Sakamoto Ryoma, figura central para o fim da Era Edo. Retornando de um longo período de treinamento, o samurai é recebido por seu irmão de armas Takechi Hanpeita, que o conduz para um significativo reencontro com seu pai adotivo, mestre e líder do partido Tosa, Yoshida Toyo.
Entretanto, poucas horas reencontro adentro, Toyo é brutalmente assassinado por um ninja mascarado. A culpa da morte recai inteiramente em Ryoma que, para manter sua honra intacta, decide fugir mesmo sendo inocente. Sendo um homem procurado em todo o Japão, Ryoma se torna um ronin andarilho – samurai sem mestre, exilado em Kyo – hoje, Kyoto, ainda em busca de vingança pelo assassinato do pai.
Conseguindo encontrar uma pista, decide integrar o Shinsengumi, corpo de elite do exército do xogunato, para descobrir quem é o verdadeiro responsável pela morte de seu querido pai. Entretanto, nada é tão simples como parece ser, e tão logo diversos obstáculos surgem no caminho de Ryoma a ponto dele se ver envolvido em uma conspiração de golpe de estado.
Os games Yakuza ou agora como são conhecidos por Like a Dragon sempre contam ótimas histórias. Ao longo de sete jogos principais, é muito difícil embarcar em uma narrativa com Kazuma Kiryu e ficar desinteressado pelos personagens e história apresentados. Aqui, diversas personalidades históricas importantes aparecem e, o mais interessante, é que todas são ilustradas com rostos já conhecidos da franquia. Logo, a experiência se torna ainda mais divertida para quem jogou todos os games da série, afinal, há rostos até mesmo do sétimo game.
Infelizmente, ao contrário de Yakuza: Like a Dragon, a SEGA não realizou um processo de tradução para o português. Isso dificulta a vida até mesmo de quem tem fluência no idioma, pois são muitos termos em japonês referentes ao Bakumatsu e as tradições do período histórico efervescente que é fácil ficar perdido – há uma ajuda com sumários para contextualizar os termos, mas ainda se trata de uma dificuldade.
Enquanto a história não decepciona em nada, assim como o carisma maravilhoso dos personagens que ajudam a injetar traços de comédia leve momentos após acontecimentos graves, há aqui uma clássica problemática da saga: o volume gigantesco de personagens ativos na trama. Em todos os Yakuza, em algum momento, ocorrerá uma traição.
Porém, muito por conta do volume insano de personagens e do entra e sai infindável de nomes que é extremamente fácil ficar perdido caso alguma informação importante seja apresentada em texto, sem mostrar o evento acontecendo de fato. Essas ocasiões são raras, mas ainda acontecem.
Fora o volume generoso da história principal, existem muitas missões paralelas. Assim como ocorre em todos os outros jogos da saga, a chata interrupção arbitrária da jogatina acontece para chamar a atenção do jogador para o começo de uma missão paralela.
Logo, o gancho narrativo ocorre mostrando uma situação inusitada como um assalto, um homem desmaiado no meio do caminho, outro jovem chorando por querer comer vegetais, entre diversos outros eventos inusitados. As histórias paralelas são sim divertidas, mas não chegam perto da qualidade vista em Yakuza 6, praticamente perfeito nesse quesito. Também é uma pena que quase todos os diálogos das missões secundárias não sejam dublados, contando somente com a caixa de diálogos.
Fusão de gerações
Desde o seu anúncio, a SEGA havia confirmado que o jogo não seria feito na Dragon Engine, motor gráfico tradicional da saga, mas sim na Unreal Engine 4. Esse detalhe é mais importante do que pode aparentar. Quem jogou Yakuza Kiwami 2, Yakuza 6 e Like a Dragon sabe que houve uma modernização ferrenha nas mecânicas e qualidade de vida do usuário em como o game se comporta.
Porém, essas mudanças não estão em Ishin! o que pode levar muita gente a ficar confusa – até eu fiquei um tanto confuso ao me deparar com o esquema mais datado visto em Yakuza 0 e Kiwami. Logo, apesar de ter uma alta qualidade gráfica e belas animações, principalmente no que tange o arco principal do jogo, há uma queda notória na qualidade dos modelos de NPCs e personagens de missões secundárias.
Com isso, a impressão de “Frankenstein geracional” assombra a experiência inteira de Like a Dragon: Ishin!, mas ainda assim, não é algo que comprometa a diversão do jogador. Afinal, por conta disso que temos algumas benesses que sumiram da franquia como a possibilidade de contar com quatro estilos de luta diferentes – como visto no 0 e Kiwami.
Aqui, sem dúvidas, a mecânica tem a melhor implementação em toda a saga. Há o estilo clássico de porrada brawler, um focado em manejo de pistolas, outro com ataques samurai focado nas espadas e, o melhor de todos, chamado de Wild Dancer, que mistura a espada com o revólver.
Cada estilo conta com sua própria árvore de habilidades e, aos poucos, conforme o jogador progride, o sistema de combate se torna mais complexo e variado, permitindo soluções e abordagens inteligentes nas desafiadoras batalhas contra chefes que rendem os momentos mais épicos e repletos de adrenalina do game.
Um fator inédito implementado no remake são as dungeons que o jogador é convidado a participar após entrar no Shinsengumi. Nesta oportunidade a mecânica de cartas é apresentada trazendo boosts muito úteis durante os diversos combates que o jogador vai encarar. Por conta de ser construído com base em um estilo antigo do sistema de luta, se prepare para encarar interrupções para marcar o começo do combate, além da infeliz demora da animação de Ryoma se erguer quando é derrubado por inimigos.
Ainda que as mecânicas de combate sejam importantes, existem outros diversos elementos que tornam o jogo mais complexo rendendo mais horas para os gamers que gostam de platinar seus jogos. Muitas das mecânicas estão escondidas ou são apresentadas conforme o jogador avança na história principal.
É possível aprender novos movimentos exclusivos de lutas através de aulas com mestres marciais que são encontrados prestando atenção nas conversas paralelas que acontecem pelo cenário enquanto Ryoma explora Kyo. Através destes dojos lendários, o jogador acaba entendendo melhor a mecânica de fabricação de itens e armas no ferreiro.
Ela é confusa e exige muita dedicação do jogador que terá que se aventurar pelo mundo para encontrar os materiais necessários para aprimorar suas armas, sejam pistolas e espadas. Outras missões também oferecem recompensas com armamentos melhores, então há esse elemento de loot presente no título.
Outras habilidades são adquiridas através de um sistema de pontuação de karma através das boas ações dos jogadores. Orando em santuários, há uma nova árvore de habilidades para acessar que faz bastante diferença em habilidades passivas como a stamina para correr.
Infinidade de atividades
Como todos os games da saga, Ishin! traz consigo uma diversidade surpreendente de conteúdo adicional. Além do jogo te trazer inúmeras missões secundárias no belo mapa bastante denso, existem outras atividades que o jogador pode investir horas de entretenimento.
Temos karaokês feudais, corridas de galinhas, jogos de mahjong, apostas em jogos de cartas, arenas de combate, arenas de dança, um minigame de cortar toras de madeira, pesca e as já citadas reides em dungeons.
Uma das melhores atividades, porém, está na casa onde Ryoma vive com Haruka. Lá, é possível plantar, cozinhar, cuidar de bichinhos de estimação e também estreitar a relação com sua “filha adotiva”.
São atividades que fazem muita diferença em tornar o mundo do game ainda mais vivo e rico cujo cuidado com os detalhes são bastante apreciados e ajudam o jogador a relaxar em seu divertimento.
Eternas boas-vindas
A chegada do remake de Like a Dragon: Ishin! é um presente nada menos que perfeito para os fãs que já estão acostumados com a saga divertidíssima que, admito, tornou-se minha favorita recentemente. Porém, por não ter ligação com nenhum dos games principais, Ishin! se torna uma oportunidade vibrante para diversos jogadores de primeira viagem conhecerem a saga.
A história independente e o ambiente do Japão feudal são extremamente convidativos, além da estética bela do jogo. A oportunidade, creio, é ainda mais interessante que começar a saga com o também excelente Yakuza 0. Ainda que o game traga algumas características de design de jogo que certamente envelheceram bastante, há uma energia e divertimento que são inerentes a essas obras.
Aliás, também é justo apontar o quão bom está o port para PC, ainda mais sendo um título da UE 4. Durante toda a jogatina, não houve qualquer complicação técnica como crashes e engasgos com quedas brutais no frametime dos FPS. O jogo funciona perfeitamente mantendo a tradição da alta qualidade das versões de PC da saga Yakuza.
Muito divertido e original com um sistema de combate refinado e também ao apresentar um olhar único sobre os eventos do Bakumatsu, Like a Dragon: Ishin! é recomendado para todos. Com a franquia avançando a passos largos com dois jogos novos confirmados para os próximos anos, torço muito para que a SEGA invista em mais títulos derivados como este que trazem oportunidades únicas para a saga conseguir apresentar ainda mais criatividade que o habitual.
A análise foi realizada através de uma cópia gentilmente cedida pela SEGA.