Como tantas outras histórias contadas por Stephen King, Conto de Fadas nos apresenta a história de um personagem vivendo os dramas do cotidiano, sem nenhum fato extraordinário ou fantasioso que possa se notar inicialmente.
Charlie Reade, um jovem de 17 anos, perdeu a sua mãe ainda muito novo: um acidente que aconteceu próximo da casa onde a família morava acabou tirando a vida da mãe de Charlie, deixando-o sozinho com o pai. A perda da esposa afetou o pai de Charlie fortemente e o homem mergulhou de cabeça no alcoolismo, chegando a perder o emprego, obrigando o filho a amadurecer precocemente. Tendo que cuidar de si e do pai, Charlie acabou se tornando um jovem responsável e angustiado, obrigado a tomar decisões que nenhum adolescente deveria tomar.
Como tantos outros adolescentes prestes a ir para Universidade, Charlie vivia ocupado tentando ganhar créditos que facilitassem sua entrada numa boa instituição de ensino. Seu dia já estava bastante ocupado tentando tirar as melhores notas possíveis em todas as disciplinas, com os treinos constantes de beisebol e futebol americano. Charlie se via sem tempo para descanso, pelo menos naquele momento. Alguns anos após o falecimento de sua mãe, o pai de Charlie havia começado a frequentar o Alcoólicos Anônimos na luta diária para não beber. O homem havia conseguido voltar a trabalhar e as coisas pareciam estar indo bem. Até o dia em que, ao voltar para casa em sua bicicleta, Charlie ouviu o uivo de um cachorro que iria mudar a sua vida.
Charlie entra no mundo lotado de referências de Stephen King
Durante sua infância, entre uma brincadeira e outra com seus amigos, Charlie e as outras crianças sempre haviam criado diversas teorias sobre a velha casa do, também velho, Howard Bowditch, o homem recluso morava em uma grande casa de que as crianças tinham certeza ser assombrada. A velha casa parecia muito com a casa do filme Psicose e. para criar ainda mais apreensão entre os garotos, o homem tinha um cachorro da raça Pastor Alemão que metia medo em todo mundo da rua. Com cara de poucos amigos, o velho Bowditch era um mistério para a vizinhança: ninguém conseguia manter contato com o homem extremamente recluso e gerações de crianças da rua de Charlie preferiam se manter distantes do local.
Foi dessa casa velha, com o mato alto, que Charlie ouviu o uivo enquanto pedalava para casa na volta da escola. Com certo receio, Charlie parou a bicicleta e resolveu investigar o que estava acontecendo, passando pela cerca bamba e pelo portão torto e enferrujado. Charlie encontrou o velho senhor Bowditch caído nos batentes do quintal, o uivo vinha da velha cadela pastor alemão que já não metia tanto medo quanto nos tempos de criança de Charlie. Com o pedido de socorro, a cachorra de nome Radar acabou salvando a vida de seu dono. O homem apresentava uma fratura grave na perna e não tinha condições de se levantar; se não fosse por Charlie ter chamado a ambulância, talvez o homem tivesse morrido no chão frio de seu quintal.
Aos poucos Charlie conseguiu quebrar a frieza do velho Howard. O garoto ficou responsável por cuidar de Radar, por quem se apaixonou imediatamente, enquanto o senhor estivesse internado cuidando da perna quebrada. Quando criança, Charlie havia feito uma promessa: se seu pai parasse de beber e voltasse a trabalhar, ele daria um jeito de compensar a mudança na vida do pai. Charlie usou esse momento da queda do ranzinza Bowditch para pagar sua promessa, mas cuidar de Radar não estava sendo nada parecido com uma penitência.
A velha casa não tinha nada de assombrada, apenas o lar de um idoso solitário. A única coisa esquisita naquilo tudo era o velho galpão no quintal: o barraco estava trancado com um grande cadeado e quando Charlie se aproximou de lá, Radar começou a rosnar como se uma ameaça estivesse trancada ali dentro. O barulho que saiu do galpão deixou o garoto nervoso e aquela era a única parte da residência de Bowditch da qual Charlie tinha certeza que continha algo sinistro.
O que Charlie não esperava era que dentro do misterioso e escuro galpão ele fosse encontrar uma escadaria em espiral que parecia descer por incontáveis metros para dentro da terra. Com um plano cheio de furos, um pouco de coragem e muita curiosidade, Charlie acaba descendo a escada em busca por respostas para a pergunta que estava lhe consumindo: o que ele encontraria no fim daquela escada que adentrava rumo à escuridão?
‘Conto de Fadas’ vira leitura repetitiva
O que começa como uma história de amizade improvável entre um jovem de 17 anos decidido a cumprir uma antiga promessa, um velho rabugento e machucado e sua cadela decrépita e cativante acaba tomando uma reviravolta que apresentará ao leitor, um mundo de fantasia, horror e histórias difíceis de acreditar para pessoas que vivem no nosso mundo.
A primeira metade do livro pode deixar o leitor ansioso pela parte do Conto de Fadas: a história primeiro se constrói e cresce em volta do dia a dia de Charlie cuidando de um idoso doente, enquanto tenta dar um jeito na bagunça da velha casa e conciliar tudo isso com a sua vida de estudante. A segunda metade do livro nos encaminha para a parte fantástica, quando somos apresentados ao Outro Mundo, nos deparamos com a história de pessoas ótimas que estão vivendo em um mundo muito ruim, destruído pela ganância de uma criatura que preferiu acabar com toda beleza daquele mundo em busca de vingança. O que começou como uma simples ida de Charlie aquele mundo para acabar com a sua curiosidade em descobrir mais do passado do velho Bowditch e tudo o que ele escondia, acaba se tornando algo muito maior, assustador e, por muitas vezes, sem esperança de retorno.
Conto de Fadas está recheado de referências, por vezes a quantidade dessas referências acaba deixando o ritmo do livro um pouco moroso, empacado no que é uma nova história versus e o que é mais do mesmo, Chapeuzinho Vermelho e os Lobos assustadores, Cinderela e o sapato de cristal, Rumpelstiltskin, João e o Pé de Feijão, João e Maria, os Três Porquinhos e suas casas prestes a cair… Tudo isso é unido às referências que já são tão conhecidas dos leitores de Stephen King.
Encontramos Ray Bradbury e o parque de diversões macabro do livro Algo sinistro vem por aí, nos deparamos com H. P. Lovecraft e o Cthulhu, inúmeras citações a filmes, programas de TV e músicas, imerso numa salada de homenagens e alusões. O que começa como uma leitura em busca de passar o tempo, um passatempo um tanto longo — já que o livro tem mais de 600 páginas — acaba se tornando uma leitura repetitiva na segunda metade da história.
É fácil se apegar a princesas que estão sofrendo, personagens presos em calabouços vivendo situações de injustiça que nos fazem torcer para que eles consigam sair daquela situação, um reino destruído onde é preciso olhar os mínimos detalhes para poder imaginar a beleza dos dias passados que está soterrada em sujeira e escuridão. A leitura flui para construir no leitor um sentimento de esperança de que uma condição sombria seja transformada, ou recuperada, para trazer dias melhores para os seus personagens.