Crítica – Em “A Baleia”, Brendan Fraser entrega a atuação de uma vida; elenco eleva o filme a outro patamar

"A Baleia" não é um filme fácil de assistir e assume riscos narrativos, mas a força de seu elenco o eleva a outro patamar. Veja a crítica.

Brendan Fraser em 'A Baleia' - Foto: Reprodução / A24
Brendan Fraser em ‘A Baleia’ – Foto: Reprodução / A24

Na primeira cena de “A Baleia”, filme dirigido por Darren Aronofsky que chega aos cinemas nesta quinta-feira (23/02), acompanhamos Charlie (Brendan Fraser) dando uma aula online em que ele é o único que não aparece na webcam. Nós, espectadores, sabemos como ele é: sofrendo de obesidade mórbida, ele mal consegue se mexer em sua poltrona. Na cena seguinte, presenciamos o homem se masturbando enquanto vê um filme pornô gay e tendo um leve ataque cardíaco em seguida.

É dessa forma que somos apresentados à história, escrita por Samuel D. Hunter para o teatro e adaptada para o cinema pelo próprio autor. Em pouco tempo, entendemos que Charlie é uma pessoa doce, afável e que tenta sempre ser otimista em relação a tudo, menos a ele próprio — seu estado físico é uma alegoria ao estado emocional, já que uma tragédia em sua vida pessoal fez com que ele perdesse o controle em uma compulsão alimentar extrema. Com esse ponto de partida, “A Baleia” nos propõe algumas reflexões sobre quem somos, quem nós queremos ser e se somos realmente resultados de nossos acertos e, principalmente, nossos erros.

Para que esse enredo fosse bem contado no cinema (já tudo se passa em apenas um cenário, não há como escapar das comparações com uma peça de teatro), seria preciso fugir da pieguice das histórias melodramáticas, que tentam a todo custo nos fazer chorar apenas para provocar esse efeito no espectador. “A Baleia” seria um filme desses, mediano, não fosse a enorme força de seu elenco, capitaneado com maestria por Brendan Fraser, que deve mesmo levar o Oscar de Melhor Ator neste ano. E será merecido.

“A Baleia” não é um filme fácil

Hong Chau em 'A Baleia' - Foto: Reprodução / A24
Hong Chau em ‘A Baleia’ – Foto: Reprodução / A24

Charlie tem poucas pessoas ao seu redor. Liz (Hong Chau) é quem cuida dele. Thomas (Ty Simpkins) é um jovem religioso que bate à porta do professor para tentar salvar sua alma. E, mais para a frente, ele se encontra com Ellie (Sadie Sink), sua filha de 17 anos, que ele abandonou para ficar com seu grande amor, um ex-aluno já falecido. Acompanhamos todas essas peças se juntando durante uma semana inteira na vida dele, enquanto percebemos que, por trás de toda a simpatia e otimismo que tenta demonstrar a todos a seu redor, Charlie sofre com um nível gigantesco de dor — não apenas física, mas também emocional.

Esse estado emocional também se expressa no apartamento de Charlie: pequeno, quase sem cor, aparentando sujeira. Aronofsky e seu diretor de fotografia, Matthew Libatique, acertam ao filmar não no confortável 16:9 do widescreen, mas no apertado 4:3 quadrado, pois isso deixa o filme ainda mais desconfortável para quem assiste e ajuda a passar a mensagem de que aquele lugar é, também, uma representação da mente do personagem de Brendan Fraser: cheio de livros (o conhecimento), mas vazio de cor (a felicidade).

“A Baleia”, no entanto, não é um filme fácil de assistir. Além de algumas cenas realmente incômodas, a carga emocional é bem difícil de digerir. No entanto, vale a pena: Brendan Fraser entrega um desempenho completo, interpretação de uma vida e digno de Oscar, ao fazer um minucioso estudo de personagem e mostrar, mesmo com as próteses grudadas em todo o seu corpo, que obrigam o ator a dobrar seus esforços, todas as nuances que seu personagem precisa. É claro que esse tipo de abordagem cinematográfica é divisiva e pode não agradar a todo mundo, mas para aqueles que se dispõe a ter paciência e superar o formato teatral da história, o longa-metragem é recompensador.

Há também Hong Chau, igualmente indicada ao Oscar. Sua personagem, Liz, tem seus motivos para continuar sendo a cuidadora de Charlie e se torna a sua única verdadeira companheira durante todo o tempo de solidão que ele vive, enclausurado em seu pequeno apartamento. Ao mesmo tempo em que serve, em alguns momentos, como o alívio cômico do filme, ela também demonstra estar à altura de Fraser nas cenas de maior teor dramático, roubando algumas cenas para si. Ty Simpkins, que interpreta Thomas, é a face religiosa da história, que tenta levar Charlie para o “caminho de Deus”, mas que tem seus próprios pecados a enfrentar e muitas hipocrisias para resolver.

Por fim, “A Baleia” traz Sadie Sink como a filha de Charlie, um papel intenso e muito complexo, que a atriz consegue levar muito bem até o catártico final. Sua personagem gera antipatia imediata no espectador, com atitudes grosseiras (principalmente quando confrontada com a gentileza e humanidade do pai), mas deixando mensagens sutis (outras, nem tanto) a quem assiste sobre os motivos que a tornaram tão rebelde (ou má). Todas as cenas de interação com Brendan Fraser são excelentes e provam que a estrela de “Stranger Things” foi uma boa escolha par o papel.

Brendan Fraser salva

Todos os temas que Aronofsky já trabalhou em sua carreira no cinema estão presentes aqui: a relação com a religião, a convivência difícil entre personagens quebrados emocionalmente por algum trauma, etc. Quem já viu algum dos filmes do diretor, como “Cisne Negro” ou “Requiém para um Sonho”, vai reconhecer facilmente seus temas. Às vezes, em “A Baleia”, o estilo acaba gritando mais alto do que deveria, mas a sorte é ter um elenco de primeira, especialmente Brendan Fraser no auge de seu talento como intérprete. Isso consegue ancorar o filme e, mesmo com alguns exageros estilísticos de Aronofsky, transforma o resultado que poderia ser mediano em algo bastante positivo.

Usando alegorias que envolvem a Bíblia e o clássico “Moby Dick”, de Herman Melville (que dá título ao filme), “A Baleia” é um trabalho contundente que pretende nos mostrar como nossas escolhas nos definem, para o bem ou para o mal. Discutindo com veemência outros assuntos como a culpa cristã, a homofobia (velada ou não) e os buracos emocionais que a vida nos deixa, o filme é um excelente exercício para fazer refletir sobre todo caminho que escolhemos na vida que pode deixar um rastro de dor e alienação em nós mesmos e àqueles ao nosso redor. No entanto, é importante não perder a humanidade.

Redator com passagens pelo MAZE Blog (MTV), Cenapop (UOL), Splash (UOL) e Bolavip Brasil, além de apresentador e roteirista no Canal Cinco Tons, no YouTube. É editor-chefe do Hit Site desde 2022. E-mail: [email protected]