Não se trata de um exagero afirmar que Diablo conseguiu inaugurar um nicho próprio. A aventura isométrica com diversas classes de personagens lutando contra forças malignas em Santuário conseguiu um status lendário a partir do lançamento de Diablo II em 2000. A franquia levou anos até retornar com a nova iteração Diablo 3 em 2012.
O lançamento foi um dos mais polêmicos da história recente, trazendo um desgaste grande para a Blizzard por conta de algumas escolhas que viriam a se tornar padrão no mercado como a requisição de estar sempre online para jogar e também um problema sério de disponibilidade de servidores.
Agora, mais de uma década depois, é seguro afirmar que Blizzard aprendeu com os erros da história da franquia e se preparar para o lançamento de Diablo IV que nada mais é do que o ápice absoluto em termos narrativos, artísticos e mecânicos para a franquia.
O Mal Renasce
A história de Diablo IV é intrigante desde o começo por tratar justamente da raiz da mitologia da saga: a criação do mundo de Santuário através da união proibida entre o anjo Inarius e a demônia Lilith. Com a humanidade criada, as consequências da união foram devastadoras, com luz e trevas se digladiando por milênios a fio.
A narrativa é situada 50 anos após os eventos drásticos de Diablo 3, configurando mudanças significativas no mundo de Santuário. É neste cenário hostil que um ritualista macabro consegue invocar Lilith de volta para o mundo dos vivos, fugindo dos confins do Inferno. Obstinada a reformular Santuário e o propósito da humanidade, Lilith se torna uma ameaça.
Neste contexto surge o viajante, o protagonista da história que será o personagem criado pelo jogador. O herói perdido em uma nevasca acaba acolhido em uma vila bizarra que, após um pequeno evento, acaba induzido a beber o sangue de Lilith, criando uma poderosa conexão com a demônia.
Conhecendo a reputação de um Horadrim que cruzava o limiar da ética de estudos das artes sombrias, o herói parte em busca de Lorath para descobrir como salvar a si mesmo da conexão maldita. Entretanto, o destino reserva papéis ainda mais importantes para ambos os personagens. Quem pode experimentar e explorar a história até o limite do beta, conseguiu compreender a intenção da Blizzard com o game.
A história abandona o estilo aventureiro intenso visto em Diablo 3 para se aproximar mais das raízes sombrias da série. As circunstâncias que jogam os novos personagens no caminho do protagonista são bastante interessantes, com destaque principalmente para Neyrelle.
É muito bem-vinda também a decisão de investir mais intensamente em ótimas cinemáticas que inserem o personagem criado pelo jogador como peça ativa, com diálogos muito bem escritos e corretamente situados em um inglês mais rebuscado para a era medieval que o jogo se inspira.
Em geral, a história principal é nada menos que excelente, motivando por si só a compra do jogo. A Blizzard não teve medo de ousar com a narrativa de Diablo IV ao trazer personagens marcantes que conseguem criar fortes vínculos com os jogadores. Há tragédia e terror de sobra, assim como alguns momentos mais descontraídos com a interação entre os personagens em missões específicas.
Até mesmo as quests secundárias recebem um tratamento satisfatório, com algumas se desdobrando em um fio de missões consequentes trazendo surpresas e desfechos inusitados. Importante citar que não são todas as missões secundárias a receber essa atenção, com algumas apenas funcionando no formato clássico de busca por itens ou entrega de correspondências. Absolutamente todas são dubladas por atores competentes, aumentando o capricho do jogo.
Lapidando diamantes
Como havia escrito no começo do texto, Diablo IV é o ápice da franquia. Logo, não significa que a Blizzard simplesmente abandonou tudo o que funcionava até então. Muitos elementos da jogabilidade foram refinados satisfatoriamente, além da inserção de algumas novidades muito bem-vindas que melhoraram a qualidade de vida do jogador ao realizar tarefas como inserir joias em itens especiais, o uso de runas e encantamentos.
Uma das novidades mais importantes é o fato do jogador poder aumentar atributos de certas peças de inventário no mercador certo, dando mais tempo de uso para itens muito raros e lendários que o jogador encontra no começo do jogo. Para isso, é necessário adquirir diversas matérias-primas espalhadas no mapa como recursos interativos. O mesmo também acontece com a reciclagem de itens, oferecendo matérias-primas importantes e skins para o sistema descomplicado de transmogrificação de itens.
O jogo te motiva a todo instante a coletar os recursos e explorar suas opções nas muitas cidades espalhadas pelo gigantesco mapa disponível para exploração. Os mercadores conseguem oferecer poções novas, aprimoramentos de habilidades e poções, além de inserir atributos diversos em itens que você irá dispor. É um sistema eficaz que recompensa bastante o jogador que dedicar algum tempo para compreendê-los e explorá-los.
São tantos elementos novos que é impressionante como a desenvolvedora consegue tornar a experiência simples e didática. Tudo é apresentado conforme o jogador descobre camadas mais profundas e complexas do jogo, incluindo o próprio mapa de mundo aberto, que é extremamente vivo.
Além de inimigos espalhados em rotas selvagens entre as cidades, há vida animal espalhada, além de viajantes e cadáveres que escondem certas recompensas. Há uma variedade insana de biomas ricos no jogo, um mais bonito que o outro, também trazendo novidades diversas com novos tipos de inimigos, assim como totens de bençãos já muito familiares a jogadores veteranos – não há como reclamar de falta de variedade em Diablo IV.
Com os inimigos totalmente condizentes com o bioma, o mapa de mundo aberto também traz algumas missões aleatórias chamadas de eventos de mundo, muito inspiradas nos acontecimentos aleatórios de Red Dead Redemption 2. Existe uma quantidade considerável de eventos que podem chamar a atenção do jogador, elencando desafios para garantir um melhor loot caso toda a dificuldade seja superada. Entretanto, admito que desejo ver mais empenho da Blizzard em variar mais os eventos em futuros updates, pois ao longo da jornada, eles podem se tornar repetitivos.
Há também algumas fortificações espalhadas pelo mapa. Nelas, o jogador encara um desafio mais acentuado, precisando limpar todo o local e enfrentar três subchefes, além de um chefe final. O desafio é justo e a recompensa também que ajuda a liberar mais Marcos de Senda para o jogador poder usar a viagem rápida – e, acredite, por conta do tamanho massivo do mapa, eles são muito necessários.
Como não poderia ser diferente, Diablo IV traz as tradicionais dungeons e muito se engana quem pensa que elas são rudimentares. Explorei várias e todas contam com um tamanho significativo, trazendo pelo menos vinte minutos de entretenimento em cada uma delas, além de uma pequena história trazendo as origens do mal que se instala ali. Fora isso, o design artístico de cada uma delas é bastante distinto, trazendo elementos radicalmente diferentes como calabouços, prisões, criptas, cemitérios, cavernas, templos, etc.
Essas dungeons mais abrangentes são diferentes também dos porões e cavernas que o jogador também encontrará no mapa – aliás, as montarias que são novidades de Diablo IV, fazem toda a diferença para viajar mais rapidamente no mundo aberto. Os porões e cavernas são muito menores e trazem desafios temporizados para ampliar as recompensas. São bastante divertidos por serem rápidos também.
Sinergia infernal
O outro elemento importante do núcleo da jogabilidade de Diablo IV, obviamente, é você, jogador. O game traz cinco classes extremamente populares já em seu lançamento com o Bárbaro, Necromante, Druida, Mago e Assassino. Pode parecer pouco, mas não é, afinal o jogo é muito denso e tem toda a sua jogabilidade significativamente alterada a depender da classe que escolher.
Joguei com duas no meu tempo de experimentação e pude ver como tudo o que eu sabia com o Bárbaro era totalmente diferente da realidade de combate da Necromante. A começar até mesmo pelo ataque básico que o jogador escolherá entre quatro opções. Em geral, há andares de habilidades diversas que só são desbloqueados após investir no patamar de poder original – e assim sucessivamente.
As habilidades trazem incrementos importantes do jogo e com o mapeamento certo, é possível criar uma sinergia fantástica que multiplica muito o dano distribuído aos inimigos sem ficar desesperado pelo cooldown de cada uma delas. Por exemplo, ao decorrer do jogo, notei que os gritos de guerra do Bárbaro poderiam enfraquecer ou provocar lentidão.
Outra habilidade aplicava maior dano de sangramento (dano contínuo) em inimigos enfraquecidos ou lentos. Cada habilidade ativa possui pelo menos 5 upgrades de nível, além de mais duas outras habilidades complementares que aumentam o poder dela. Fora isso, há também as habilidades passivas, com três upgrades de nível cada.
Assim, ao longo do jogo, conforme o personagem evolui e adquire mais habilidades, o gameplay se torna mais profundo e muito mais divertido causando até mesmo alguns efeitos de física e gore diferentes nos inimigos. É raro eu me encontrar viciado em algum jogo, mas Diablo IV conseguiu essa proeza. Você fica motivado a elevar o nível do personagem ao máximo para ver como as habilidades se comportam com os inimigos.
Como também é possível resetar todos os pontos a um custo módico de ouro, o jogo encoraja a experimentação e descobrir novas possibilidades de builds distintas. E isso para cada uma das cinco classes! Fora isso, há também as habilidades de perícia que adicionam atributos conforme o jogador usar algumas armas típicas. São buffs passivos que tornam o personagem bem mais poderoso aos poucos.
Com isso, o leque de horas de entretenimento que Diablo IV oferece é massivo e, o mais interessante, é que ele nunca se torna enjoativo. Se acontecer isso, basta trocar de classe que temos um jogo completamente novo. Muito ciente disso, o jogo também oferece a opção de pular os eventos da campanha depois que o jogador encerrá-la pela primeira vez, trazendo uma dinâmica bastante distinta para o novo gameplay.
Para os fãs veteranos, também há o modo hardcore no qual a morte do personagem é definitiva caso ele pereça em combate. Assim como existe um grande escalonamento de dificuldade durante o endgame do jogo o que nos leva ao próximo tópico.
Novos patamares
Não é mais novidade que a Blizzard deseja que Diablo IV se torne um jogo multiplayer massivo, recebendo atualizações trimestrais constantes, além de updates pagos com passes de batalha mais completos. Tudo isso reflete na interação do jogador com o mundo depois do endgame e também durante a campanha.
Chefes especiais surgirão no mapa, trazendo um desafio muito mais intenso que motiva os jogadores a se reunirem e duelarem lado a lado. Além disso, existe a opção de PVP em algumas dungeons que podem ser completadas com amigos. Como o jogo trará uma conexão entre plataformas, é possível jogar com quem quiser mesmo se tiver uma versão distinta do jogo.
Eventos assim aparecem esporadicamente no mapa, além de outros que são atualizados com mais frequência. E se o jogo já é divertido sozinho, com a companhia de amigos, se torna uma experiência muito mais interessante. Nesse fator multiplayer, porém, é preciso que a Blizzard escute o apelo dos jogadores e realmente trabalhe em uma maior frequência de loot de itens lendários.
Ao longo da campanha que dura mais de vinte horas, se encontrei cinco itens dessa categoria, foi muito, e não são todos os jogadores dispostos a farmar item por horas a fio. Com correções mínimas, é bem possível que a Blizzard consiga tornar Diablo IV um fenômeno de longo prazo assim como ocorre com Destiny 2, trazendo expansões anuais que devem dar maior continuidade para a narrativa.
Na build para a análise, a famigerada loja não estava disponível e, portanto, não sei dizer se os itens cosméticos que serão vendidos por lá contarão com atributos muito significativos, o que desequilibraria tremendamente o título, mas torço muito para que Diablo IV fique longe de polêmicas desnecessárias, pois o produto é uma obra-prima.
Outro ponto que merece ser muito destacado é o design. Seja pelo jogo ser visualmente muito belo, mesmo com cores mais apagadas – resgatando a influência artística de Diablo II, com cenários ricos e repletos de detalhes, assim como peças de armadura e armas diversas. Tudo é feito com muito capricho e inspiração, assim como as cinemáticas de altíssima qualidade que surgem com uma frequência maior – falo das que não são executadas pelo motor gráfico do jogo.
Meus elogios também vão para o departamento sonoro do jogo e também para o elenco, principalmente para Ralph Ineson que consegue transformar Lorath em um dos personagens mais marcantes da saga pela entonação tão característica de sua voz profunda e grave. Aliás, para os amantes da ótima música, a trilha musical é absolutamente soberba, trazendo temas fantásticos para cada bioma do mapa, imprimindo ainda mais identidade no mundo muito vivo do jogo.
Aliás, contando com uma engine exclusiva, é fato que Diablo IV é um jogo bem otimizado para o PC. Encontrei alguns problemas de engasgos por compilação de shaders e também lag no efeito rubber banding – alguns bastante frequentes e chatos. Há espaço para melhorias técnicas sim e sei que a Blizzard trabalha com afinco para resolver essas questões já no Patch do Dia 1.
O começo de uma longa e promissora jornada
Diablo IV simplesmente é a prova viva que sempre é possível aprimorar ótimas franquias quando os desenvolvedores se encontram totalmente apaixonados pelo trabalho, além de acompanharem os apelos da comunidade. Mesmo custando uma pequena fortuna no Brasil, o jogo traz tanto conteúdo, é tão divertido e tem uma campanha tão especial que realmente vale o preço pedido em sua versão básica.
Já para as outras versões, vai depender muito do que a Blizzard pretende trazer para os próximos meses de vida do jogo. Pelo que aparenta, parece que Diablo IV será um dos jogos como serviço mais bem sucedidos da história, finalmente mostrando como o conteúdo deve ser feito para manter a comunidade ativa e interessada no jogo.
Por isso, vai a minha raríssima recomendação máxima. Diablo IV é sensacional e mal posso esperar para retornar a Santuário e explorar muito mais do que o jogo tem a oferecer.
Review realizada através de uma cópia temporária de acesso antecipado gentilmente cedida pela Blizzard.