Review | Skull and Bones é uma boa diversão assombrada por um certo pirata assassino

Skull and Bones já está disponível para Xbox Series, PlayStation 5 e PC.

Review | Skull and Bones é uma boa diversão assombrada por um certo pirata assassino

É um tanto surreal encarar o fato que Skull and Bones demorou tanto tempo para ser lançado. O jogo começou a ser produzido ainda em 2013, logo após a recepção histórica de Asassin’s Creed IV. Antes, a Ubisoft planejava que o jogo fosse um complemento à Black Flag, mas devido à recepção muito animada dos jogadores, o projeto tomou um escopo maior. 

Até seu anúncio oficial em 2017, o jogo já vinha sofrendo muitos problemas de produção. Por uma obrigação contratual com o governo de Singapura, a Ubisoft não podia simplesmente cancelar o jogo: pelo dinheiro investido do governo, era preciso lançar o produto ou pagar uma indenização gigante. 

A primeira data de lançamento do jogo era prevista para 2018. Obviamente a meta não foi cumprida, com inúmeros adiantamentos até chegarmos no produto lançado agora em 2024. Diante de um cenário caótico, envolvendo mais de uma década de produção, finalmente o jogo está disponível e, por incrível que pareça, consegue divertir sim. 

Uma vida de pirata para mim

Skull and Bones foi planejado como um jogo como serviço. Ou seja, deve ser aprimorado ao longo do tempo com mais conteúdos e passes de temporada (por mais bizarro que possa ser declarar isso após onze anos em desenvolvimento). 

No jogo, o seu personagem sobrevive a uma enorme batalha naval que destrói completamente seu navio e tripulação. Tendo que recomeçar do zero, não resta alternativa ao pirata desprestigiado reconquistar sua infâmia nos sete mares (embora aqui tenhamos somente o Oceano Índico). 

Munido apenas de um barquinho furreca e dois imediatos, a jornada nos leva ao hub principal do jogo, a ilha de Sainte-Anne. Lá, o jogador (após criar seu personagem em um criador medíocre e mal projetado) encontra o temível pirata John Scurlock que vai oferecer diversos contratos para prosseguir a história que é bem simples e rasa, com quase nenhum personagem memorável. 

Assim, as primeiras horas de Skull and Bones são iniciadas. E, acredite, elas serão as horas mais difíceis para encarar no título porque se trata de um tutorial massivo para o jogador compreender o ciclo de atividades que terá que realizar por muitas horas de entretenimento. 

Através de muitas quests de buscas, o jogador vai conhecer os NPCs necessários para aprimorar seus pertences. Isso envolve melhorias de armas, dos navios, das ferramentas de coleta, além de outras mecânicas de cozinha e vestuário. Logo, o objetivo do jogo é perseverar em um grinding expressivo a fim de melhorar todos seus equipamentos e conquistar o mais alto grau de infâmia que também desbloqueia melhorias ainda mais interessantes para o jogador. 

Ao menos, a Ubisoft foi bastante transparente em relação ao conteúdo do jogo e isso é algo louvável. Em relação às micro transações, todas envolvem apenas cosméticos (que são sim incríveis), sem oferecer pacotes de experiência dobrada, etc. É um acerto adequado, afinal o jogo não é nada barato e a loja oferece muitas skins fantásticas para o navio, de roupas e até mesmo de pets divertidos que vão te acompanhar nas navegações. 

O único grande vacilo em relação a isso também envolve uma mecânica deficitária: não há como escolher e recrutar a própria tripulação do navio. É possível mudar a roupa, mas a textura e concepção desses personagens é tão preguiçosa que mal dá vontade de observá-los trabalhando. 

Call of Duty em alto mar

Em questão de segundos ao jogar Skull and Bones, é nítido que a abordagem da Ubisoft foi tornar o jogo o mais arcade possível. A mobilidade dos navios é razoável e pode ser aprimorada com upgrades enquanto o combate ganha mais camadas através da adição de mais armamentos. Os combates navais são bons e também seguem a lógica mais casual, distinguindo o jogo de Sea of Thieves e World of Warships, por exemplo. 

Basta mirar e atirar. Os canhões conseguem atingir praticamente todos os lados, em ângulos nada realistas com o posicionamento do navio, mas isso deixa o combate mais fluído e dinâmico. É possível escolher classes para os navios também, variando entre tanques, especialistas em dano e, por fim, suporte – é possível curar aliados ao atirar neles nessa modalidade.

Até existe certa estratégia no jogo, com alguns pontos fracos dos oponentes sendo realçados por indicativos visuais, além de existir alguns efeitos de dano contínuo e redução de mobilidade do inimigo se atingir as velas. Infelizmente, os efeitos visuais de destruição são bem fracos, além dos navios afundarem com uma rapidez enorme. 

Desde o começo da campanha de marketing da fase reformulada do jogo, a desenvolvedora foi honesta e revelou que o jogo teria foco somente em combate naval. Infelizmente, não é possível lutar em terra firme, duelar com espadas e pistolas, explorar tumbas e participar de caças ao tesouro em masmorras realmente complexas – até tem “caças ao tesouro” aqui, mas é bem básico. As mecânicas de coleta acabam se tornando uma bizarrice a parte por conta da limitação do personagem em terra firme. 

O ideal seria explorarmos as diversas ilhas que o mapa dispões e coletar os recursos manualmente, mas, em vez disso, é preciso fazer uma navegação próxima à costa onde o recurso surge e iniciar um minigame de precisão enquanto o navio balança e coleta minérios, alimentos, madeira, entre outros. É esquisito, sim, e também engraçado. Infelizmente, o mesmo ocorre ao “abordar” um navio inimigo já enfraquecido. Para ganhar mais loot, é possível invadir os navios e resgatar recompensas, mas isso tudo é feito através de uma cinemática de míseros segundos que também atrapalha bastante quando você empreende confrontos com dois ou mais inimigos. 

Aparentemente, 11 anos de desenvolvimento não deram conta de realizar um jogo tão completo assim – afinal, “nunca” tivemos um jogo que trazia tudo isso e mais um pouco, não é?

É óbvio que ser um pirata é divertido e mais divertido ainda é contar com diversos navios muito customizáveis, além de ouvir a cantoria dos marujos. O combate funciona e a navegação é boa. Infelizmente, alguém achou que seria uma boa ideia colocar um limitador de “stamina” em um navio para atingir a velocidade máxima de navegação – superior a 10 nós. Logo, o seu navio vai precisar sempre de alguns segundos para descansar e voltar a navegar mais rápido – isso se você não decidir usar um boost de stamina disponibilizado através dos alimentos (os marujos “trabalham” intensamente para as velas permanecerem baixas). 

O limitador de velocidade também se torna um empecilho já que muito comumente, o jogador terá que lidar com a direção do vento. É uma mecânica bem-vinda, mas que se torna uma chatice por conta deste limitador. Por si, o jogo não é difícil, trazendo um nível de desafio bastante justo e condizente com o nível de infâmia que foi conquistado. Alguns inimigos especiais de facções rivais trazem maior dinamismo, além de ser possível sentir uma certa urgência quando a notoriedade do seu navio está alta em mares dominados por megacorporações. Fortes tempestades também podem acontecer em mar aberto sendo que algumas delas são capazes até mesmo de destruir o navio mais simples do jogador. 

Aliás, um dos modos de jogo mais rápidos para conquistar recursos envolve justamente a mecânica de notoriedade. É possível pilhar alguns fortes – claro, à distância. Nisso, um sistema de recompensas é aberto, trazendo mais itens a cada onda de inimigos que o jogador consegue sobreviver. Em geral, são cinco ondas até concluir a batalha. Chegando próximo do endgame do jogo, isso se torna consideravelmente mais difícil, encorajando o jogador a formar grupos cooperativos para ter uma pilhagem melhor sucedida.

Fora isso, também existem eventos de mundo trazendo algum grande pirata – totalmente fictício, para uma batalha épica, além de uma criatura marinha desafiadora – é prometido que mais monstros devem chegar nas próximas temporadas. Infelizmente, não é possível fazer um grupo maior que uma frota de três jogadores, além do progresso estar atrelado com todos fazendo a mesma missão. Claro, a ajuda em eventos de pilhagem e inimigos mais fortes também é recompensada com o loot – e essa busca por recursos para melhorias é o que define todo o loop do jogo, incluindo no seu endgame.

A diferença é que no endgame, o jogador poderá conquistar fortes que oferecem mais recursos para aprimorar mais elementos do jogo de modo automático. Mas o loop principal permanece o mesmo. 

O rei pirata está nu

Por conta do desenvolvimento conturbado e da produção do jogo ter sido dividida em uma porção enorme de estúdios da Ubisoft quando a situação complicou para o escritório de Singapura, diversos elementos desses conflitos internos são bem perceptíveis. A começar, o jogo não possui em si uma campanha interessante, até mesmo os diálogos são ruins e a dublagem, sempre medíocre. Não ajuda também o fato da apresentação de diversos NPCs ser rudimentar, com animações faciais extremamente datadas e problemas severos de sincronia labial. 

Logo, essa falta de personalidade e efervescência criativa é sentida até mesmo pelo mais desentendido dos jogadores. A movimentação do personagem em terra firme é robótica, o já criticado criador de personagem não faz muito sentido para diversos itens de caracterização – isso é resolvido no Alfaiate que mostra o modelo completo do corpo do seu personagem, e todos os territórios ou ilhas que são possíveis de explorar a pé são totalmente desertas, com recursos espalhados em pouca quantidade, além de contar com dois NPCs existindo apenas para cumprir objetivos em missões genéricas. 

Não é possível nadar e os efeitos visuais (e sonoros) das ondas quebrando nas praias são abismais de tão precários. A exploração não é incentivada por conta das ilhas não oferecerem muito conteúdo e recompensa para serem exploradas a pé e, ainda por cima, contam com diversas barreiras de paredes invisíveis. Em alto mar, também com os efeitos de iluminação global em ray tracing, o jogo consegue se provar bonito, além das skins dos navios serem bastante diversificadas e interessantes, mas em geral, graficamente, o jogo falha em impressionar.

A performance nos PCs também é ok, sendo uma boa ideia usar os escalonadores DLSS e FSR se possível. Durante minha jogatina com um amigo meu, tivemos que lidar também com alguns bugs bastante complicados. Um deles simplesmente travou todo o progresso conjunto de nós dois, sendo necessário sair do servidor e reconectar depois. Há bugs de interface que podem complicar o recurso da viagem rápida caso a ilha contenha também um indicativo de missão, com os ícones se sobrepondo e inutilizando o recurso de viagem rápida – que só é realizada com um módico custo de moedas correntes do jogo. 

Outro bug irritante que nos afetou envolvia um aviso incessante que a nossa “marca da morte” havia sido removida, sendo que nunca tínhamos recebido a marca antes, além do aviso demorar diversos minutos para sumir da tela. É claro, obviamente tudo isso será corrigido em patches futuros, mas é complicado lidar com bugs tão marginais que tenham passado para o lançamento final de um jogo produzido por mais de uma década. 

Por fim, para não dizer que não existem lampejos criativos, o jogo possui uma mecânica interessante de rotas mercantis. Nelas, é possível encontrar navios mercantes que podem ter diversos dos recursos necessários para aprimorar seus equipamentos. E caso o jogador ataque muitas vezes a mesma rota, logo o trajeto fica perigoso pela escolta de navios poderosos protegendo a carga. 

Também é justo afirmar que o posicionamento das câmeras de jogabilidade são bem legais. É possível manejar seu barco em primeira pessoa (esse PV permite ver o mascote animal escolhido como companhia), ter uma ampla visão do navio inteiro e também navegar através da gávea presa ao mastro. Aliás, sempre que usamos a luneta para identificar inimigos e também saber quais recursos cada barco contém, a visão vai automaticamente para a gávea. É imersivo e funcional. 

Bandeira Preta 

Em suma, Skull and Bones é um bom jogo como serviço. Assim como todos os jogos do nicho, deve receber aprimoramentos ao longo dos anos, assim como aconteceu com Sea of Thieves. No estado atual, ele oferece um bom conteúdo e diverte pela natureza arcade do combate. 

A temática da pirataria é extremamente rica então mais opções de atividades, navios e eventos devem acontecer no futuro tornando o jogo mais único e especial, afinal há sim espaço para um jogo como este. 

Sendo honesto, tirando os bugs e problemas na apresentação, Skull and Bones é um jogo divertido que com certeza seria mais celebrado se não fosse um certo detalhe: Asassin’s Creed IV: Black Flag, lançado há onze anos, consegue entregar uma experiência muito melhor, mais robusta e completa em praticamente todos os níveis. Não fosse esse detalhe gritante, estaríamos diante de um ótimo jogo de piratas, mas não é o caso. 

É importante que a indústria comece a refletir diante das ofertas de produtos assim – principalmente após o CEO da Ubisoft marcar que esse título se trata de uma produção “AAAA”. Afinal, não se trata de um jogo barato e, infelizmente, no lançamento, não consegue justificar o investimento financeiro e, mais importante ainda, de tempo de vida. 

Agradecemos à Ubisoft pelas cópias gentilmente cedidas para a realização desta análise.