Lula acusa games de causarem mortes, mas a Ciência diz o contrário

Presidente brasileiro responsabilizou games pelas mortes em chacinas recentes em escolas nacionais.

Lula acusa games de causarem mortes, mas a Ciência diz o contrário

O já ultrapassado debate de ligar videogames com atentados e índices de violência foi ressuscitado pelo atual presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), durante uma reunião (18) com diversos poderes em Brasília para tratar das ondas de violência que acontecem em escolas brasileiras nas últimas semanas. Na reunião, o presidente surpreendeu seus seguidores ao fazer um discurso revoltado contra o “vício dos jovens em videogames”, culpando os jogos eletrônicos pela violência.

Quem faz parte da indústria de jogos eletrônicos sabe que o discurso de Lula não é novidade para ninguém. Na verdade, desde o surgimento de DOOM nos PCs em 1993 que os jogos são responsabilizados por tiroteios e índices crescentes de violência. O ápice da discussão se deu quando a popularidade da franquia Grand Theft Auto atingiu novos patamares com os jogos San Andreas e até mesmo com GTA V.

Nos Estados Unidos, este debate virou tema de matérias de jornalismo por diversas vezes, com representantes de muitos governos pedindo pelo banimento de alguns títulos considerados “violentos demais” para o público. Isso atingiu ferozmente a Rockstar Games, principalmente na época do lançamento controverso de Manhunt 2 que chegou a ser banido em diversos países.

Entretanto, apesar da polêmica recorrente, diversos estudos científicos foram realizados para sanar a questão. Entre inúmeras pesquisas, o consenso parece ser o mesmo: a agressividade dos jovens não está correlacionada com videogames. Um dos estudos mais respeitados foi realizado pela Universidade de Oxford divulgado em 2019.

A pesquisa levou em conta 1004 jovens britânicos entre 14 e 15 anos e um número igual de pais ou responsáveis, totalizando 2008 indivíduos. O estudo usou uma combinação de dados objetivos e subjetivos para medir a agressividade dos adolescentes. Os pais ou responsáveis também forneceram informações sobre o comportamento dos filhos.

Segundo Andrew Przybylski, diretor de pesquisa no Instituto de Internet da Oxford:

A ideia de que videogames violentos levam a agressão no mundo real é popular, mas não foi muito bem testada ao longo do tempo. Apesar do interesse no assunto por pais e legisladores, a pesquisa não demonstrou que existe motivo para preocupação.

Netta Weinstein, co-autora do estudo, comentou:

Nossas descobertas sugerem que os vieses de pesquisadores podem ter influenciado estudos prévios nesse assunto, e podem ter distorcido nosso entendimento dos efeitos de videogames.

Call of Duty: Modern Warfare 2 foi o jogo mais vendido de janeiro nos EUA
Reprodução

Tetris pode ser mais “nocivo” que Call of Duty

A pesquisa de Oxford também aponta que o inofensivo game Tetris acabou frustrando e irritando os jogadores muito mais que os tiroteios intensos de Call of Duty.

“Não há dúvida de que quando um jogo é realmente difícil, muito frustrante ou o jogador perde, ele fica irritado”. Ao tornar o Tetris mais difícil no laboratório durante a pesquisa, por exemplo, a equipe dele conseguiu induzir sentimentos agressivos. 

“A pergunta que você deve fazer a si mesmo é: as pessoas saem para praticar tiroteios em massa depois de desistirem com raiva do Call of Duty?”. Ele acha que não. Outras pesquisas vão além de desmistificar o tema e se propõem até mesmo que a liberação dos jogos violentos ajudam a, na verdade, reduzir a violência.

Em um estudo de 2016, pesquisadores analisaram dados de crimes e concluíram que a violência social geral diminuiu nas semanas após a liberação de vídeo games populares. Christopher Ferguson, professor associado e codiretor do Departamento de Psicologia da Universidade de Stetson contou à CNN no ano passado que “basicamente, ao manter homens jovens ocupados com coisas de que gostam, você os mantém fora das ruas e longe de problemas reais”.

Przybylski, o estudioso da pesquisa de Oxford, também é taxativo e oferece uma frase que pode servir de resposta ao presidente: “nós reduzimos o valor do discurso político sobre o tema, porque estamos buscando respostas fáceis em vez de encarar verdades duras.”

Outro estudo publicado em julho de 2020 acompanhou mais de 3.000 jovens em Singapura e levou em conta níveis anteriores de agressão e controle de impulsos. A conclusão foi a mesma que apresentada no estudo de Oxford: não há ligação entre jogos violentos e comportamento agressivo. 

Curiosamente, o estudo aponta que um ambiente familiar positivo foi um “fator de proteção” que reduziu comportamentos agressivos e antissociais. “Portanto, políticas públicas que visem o fortalecimento das famílias, bem como aumentar o controle de impulsos entre jovens tendem a ser mais produtivas que aquelas que têm os videogames como alvo”, complementa o estudo. 

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Uma indústria de importância

O mercado de games é extremamente ativo e movimentou pelo menos US$ 184 bilhões somente no ano de 2022. É uma indústria expansiva que aproveita as últimas novidades de ponta da tecnologia, gerando empregos tanto na produção de novos softwares como motiva também a evolução tecnológica de hardware, contribuindo que mais pesquisas sejam implementadas na melhoria de equipamentos a cada geração.

Fora isso, é uma expressão artística válida que trabalha elementos educativos com narrativas diversas convidando o jogador a conhecer mais sobre história, biologia, arquitetura, moda, física, além de permitir aprimorar habilidades de coordenação motora e raciocínio lógico.

Assim como outras artes audiovisuais, os games são produzidos em diversos gêneros dialogando com inúmeros nichos de consumidores. Ao contrário do que o presidente Lula afirma ao dizer que “não existe game de amor, não existe game falando de educação”, existem diversas produções como It Takes Two, Stardew Valley, Journey e Life is Strange que trazem debates muito válidos sobre o tema – isso que nem chego a incluir os diversos simuladores que trabalham com temas educativos.

A fala de Lula ecoa discursos que já ouvimos recentemente de outras políticos influentes como Donald Trump, ex-presidente dos EUA, e também do ex-vice presidente do Brasil, Hamilton Mourão, atualmente senador. O discurso de Lula repercutiu mal com sua base de eleitores que fazem parte da comunidade gamer. Até mesmo Felipe Neto, voraz apoiador do presente, repreendeu a fala sobre o tema.