Crítica | ‘Dente de Leite’, de Patrick Martins e Igor Frederico, equivale a um soco no estômago

Graphic novel brasileira lida com temas pesados em uma narrativa fragmentada, mas recompensadora.

O livro 'Dente de Leite', de Patrick Martins e Igor Frederico - Foto: Amazon
O livro ‘Dente de Leite’, de Patrick Martins e Igor Frederico – Foto: Amazon

Dentro da produção literária brasileira recente, dificilmente é possível encontrar uma obra tão densa quanto ‘Dente de Leite’, escrita por Patrick Martins e ilustrada por Igor Frederico. Vencedora do 1º Prêmio Geek de Literatura, promovido pela Amazon, Omelete e Pipoca & Nanquim, a história consegue capturar a atenção do leitor com uma mistura de tensão e tristeza — com um final surpreendente.

O enredo de ‘Dente de Leite’ se apresenta de forma simples logo nas primeiras páginas. Conhecemos uma idosa solitária que mantém uma rotina em sua casa: todos os dias, ela cozinha para quatro pessoas. Ela arruma a mesa para a refeição, mas ao invés de receber as pessoas para comer, ela termina o dia chorando em sua banheira.

Apresentar esse pequeno resumo é necessário, mas dizer mais do que isso é totalmente dispensável. ‘Dente de Leite’ vai desvelando seu enredo gradualmente, e é dessa forma que o leitor vai mergulhando nessa rotina de melancolia da personagem principal, que nos apresenta alguns temas que tentamos evitar ao longo da vida: a solidão na velhice, o abandono afetivo e, principalmente no caso da história dessa graphic novel, a maternidade compulsória.

‘Dente de Leite’ impacta o leitor

Capa do livro 'Dente de Leite' - Foto: Amazon
Capa do livro ‘Dente de Leite’ – Foto: Amazon

A escrita de Patrick Martins em ‘Dente de Leite’ é primorosa: simples, direta e muito assertiva, coloca o leitor rapidamente nesse mundo de tristeza e faz com que acompanhemos a dor dessa personagem que, à primeira vista, parece tão pesada; conforme a história vai se desenrolando, entendemos suas razões para a obsessão com a rotina diária e, com isso, percebendo o quanto daquela vida retratada na história tem lugar em nossos próprios medos e inseguranças com o futuro.

A recordação obsessiva da própria vida, conforme descrito no resumo da própria obra, é uma temática constante em ‘Dente de Leite’. De todas as obras do tipo, essa talvez seja a que melhor aborda essas questões, amplamente ligadas ao envelhecimento e a passagem do tempo — algo que praticamente todo mundo, em algum momento, teme de verdade. O vazio existencial e a solidão permeiam todo o livro, mas sem nunca deixar de passar uma mensagem clara ao leitor, tanto em relação ao fio narrativo dos personagens quanto ao que está no subtexto — que não vamos entregar nesta crítica, deixando ao leitor as principais descobertas.

Patrick Martins e Igor Frederico - Foto: Amazon
Patrick Martins e Igor Frederico, autores de ‘Dente de Leite’ – Foto: Amazon

Da mesma forma, a obra de Igor Frederico também merece destaque pela forma como aborda as cenas escritas por Martins: o traço combina perfeitamente com a proposta do texto, passando em imagens a melancolia apresentada em toda a história. É um trabalho exemplar, em que o que vemos encaixa absurdamente bem com o desenrolar dos acontecimentos descritos nessa que é, sem dúvida, uma das histórias mais melancólicas lançadas no meio literário neste ano.

‘Dente de Leite’, portanto, é como um soco no estômago. Parece clichê fazer uma afirmação como essa, tão surrada, mas talvez nenhum outro termo seja capaz de descrever a porrada emocional que a graphic novel apresenta ao leitor. Cada página é uma nova reflexão, tanto no ponto de vista literário quanto no visual. A fragmentação de sua história e a aparente monotonia pode ser incômoda para alguns leitores, mas o resultado é satisfatório demais: a mensagem que deixa reverbera por muito tempo após a última página.

Redator com passagens pelo MAZE Blog (MTV), Cenapop (UOL), Splash (UOL) e Bolavip Brasil, além de apresentador e roteirista no Canal Cinco Tons, no YouTube. É editor-chefe do Hit Site desde 2022. E-mail: [email protected]