Review | Starfield consegue ser o primeiro grande exclusivo do Xbox Series

Starfield já está disponível para Xbox Series X|S, PC e Game Pass sendo o maior lançamento da história da Bethesda.

Review | Starfield consegue ser o primeiro grande exclusivo do Xbox Series

O drama da família Xbox com a ausência de grandes exclusivos assombra a marca desde os áureos anos do 360 que teve destaque com a trilogia Gears of War, os primeiros Forza Horizon e dois importantes capítulos de Halo. Entretanto, desde sempre os fãs da marca reclamavam à Microsoft que havia uma ausência notória de IPs incríveis que a Sony distribuía ao montes com o Playstation através de sucessos massivos como God of War, Uncharted e The Last of Us. Agora, porém, Starfield chegou para mudar este longo pesadelo.

Embora o Xbox Series já tenha recebido uma dose generosa de exclusivos, nenhum deles contou com a antecipação insana que atingiu Starfield, anunciado há cinco anos em uma época que ninguém sonhava que a Bethesda seria um estúdio próprio da Microsoft. Sabendo que investimentos levam muito tempo e planejamento para dar retorno, é possível afirmar com facilidade que Starfield fez toda essa espera para valer a pena para a Microsoft e também para os fãs do Xbox.

Eu mesmo tendo bastante experiência com o histórico da Bethesda e das promessas insanas de Todd Howard, não caí no hype do jogo e, honestamente, essa exceção à regra me fez ter uma experiência mais prazerosa com o título que não, não revoluciona o mercado, mas certamente é uma evolução notória da Bethesda como desenvolvedora de jogos após o lançamento desastroso de Fallout 76 em 2018.

A vastidão do Espaço e além 

Sendo um RPG sandbox colossal, o primeiro sentimento que Starfield dá ao jogador é de um temor com ansiedade de tão avassalador que parece o escopo do jogo. A jornada começa de um modo estranhamente lento para uma aventura original da Bethesda. 

Nós somos um mineiro sem nome trabalhando em uma escavação que acaba por esbarrar em um elemento estranho e mais alienígena do que o comum, um totem misterioso de metal. Ao extrair a peça, uma experiência extrassensorial ocorre e o jogador acaba recrutado por uma facção conhecida como Constelação. 

A facção é focada em explorar a vastidão do espaço, em desbravar novas fronteiras das galáxias mapeadas e retomar o sentido de descoberta há muito perdido, já que a humanidade já conquistou o espaço há pelo menos dois séculos antes dos acontecimentos da história. 

Recrutado e com alguns parceiros de viagem, o jogador é convidado a explorar diversos mundos para encontrar mais artefatos que, juntos, podem revelar um provável primeiro contato alienígena senciente revelando que a humanidade não está tão sozinha assim na vastidão do espaço. 

É curioso como os RPGs da Bethesda geralmente trazem histórias mais interessantes em missões paralelas do que as que envolvem o arco principal. Com Starfield, a característica se mantém. Mas isso não é demérito algum, por sinal, as histórias em geral são muito boas. 

Um dos fatos mais impressionantes do jogo é o fato do trabalho da desenvolvedora criar um universo novo do zero, constituindo uma mitologia bastante completa e crível, com fatos históricos relevantes desde a saída da humanidade da Terra até o momento presente da história do jogo. É um trabalho excepcional que facilmente rivaliza com o texto da Bioware na época da criação de Mass Effect. 

São diversas facções que existem em Starfield e cada uma delas tem uma miríade muito generosa de missões com boas histórias que vão desde ameaças biológicas universais à espionagem corporativa digna de Cyberpunk 2077. No começo, como afirmei, assusta, mas conforme o jogador investe tempo para absorver esse universo, é fácil se maravilhar com a originalidade do trabalho – pelo menos na parte da mitologia. 

Há elementos religiosos, políticos, militares, culturais e ideológicos em cena, mostrando que a humanidade, mesmo unida com um propósito, sempre vai procurar a divisão e a guerra. A Bethesda faz um excelente trabalho em mostrar como a mitologia se expande através das facções refletindo neuroses por controle ou a liberdade plena.

O que é curioso, para mal, é que o jogo faz muito juízo de valor através dos companheiros e alguns NPCs caso o jogador opte por um caminho moralmente cinza ou até mesmo maléfico – algo bem esquisito para um RPG de alta imersão. É também uma pena que as histórias, em boa parte delas, sejam bastante previsíveis em suas reviravoltas, além da falta de carisma de boa parte dos companheiros. 

Barrett, Vasco, Andreja e Sarah Morgan conseguem atiçar a curiosidade do jogador, mas ainda assim outros personagens como Sam Coe e sua filha, Matteo, Walter Stroud falham em serem interessantes. Em geral, o trabalho é bom e há sim paixão envolvida, mas com certeza poderíamos ter mais personalidade em outros rostos que encontramos pelo caminho. 

O que, aliás, me leva a um fato. Mesmo que a Bethesda tenha atualizado enfim a Creation Engine rendendo objetos, cenários e vistas extremamente belas, ela segue uma porcaria no design de personagens e pior ainda para as animações faciais que são sim terríveis e parecem ainda pertencer à geração do Xbox 360. Aliás, muito me espanta a escolha de enquadramentos para os diálogos com os NPCs com todos eles olhando diretamente para o jogador, centralizados, quebrando a quarta parede. 

Também é igualmente decepcionante ainda não contar com uma história pregressa rica para o protagonista – alguns elementos de história podem ser escolhidos nas opções de customização do personagem (aliás o contexto para apresentar a mecânica é bastante orgânica e bem encaixada na narrativa). 

Outro fato que pode ser desconcertante é que Starfield talvez seja o jogo mais lento em ritmo narrativo que eu tenha experimentado desde Red Dead Redemption 2, exigindo umas boas três ou quatro horas até a história principal engatar marcha e fluir. As missões secundárias, sejam de facções ou não, já são mais rápidas e contam com personagens, ironicamente, mais memoráveis que os companheiros de aventura. 

Starfield ultrapassa 1 milhão de jogadores simultâneos
Bethesda

Mil mecânicas e mais uma em Starfield

Assim como a história e o sistema de missões de Starfield parece avassalador, o mesmo acontece com as mecânicas de jogo. São muitas, mas muitas mesmo e boa parte delas não contam com um mísero tutorial então se prepare para ficar perdido em diversas coisas como os primeiros digihacks que terá que fazer, assim como as mecânicas tardias de construção de naves e postos exteriores que podem ser construídos em diversos planetas. 

Quem caiu no canto da sereia de Todd Howard, porém, vai se decepcionar feio com o jogo, já que ele, em si, não se trata mesmo de uma aventura de exploração espacial como No Man ‘s Sky. É um jogo que deve ser abordado pela experiência narrativa. Quem quiser brincar de explorar, claro que terá muito o que fazer, mas se trata de um elemento bastante superficial do que era esperado. 

Não é possível explorar os planetas livremente e muito menos o espaço. Entrar e sair da atmosfera de planetas também estão fora de questão, o que realmente é uma pena. Para se transportar rapidamente pelo universo, ironicamente, o jogador terá que lidar com inúmeras telas de carregamento por causa das viagens rápidas – felizmente os loadings são muito ligeiros, levando poucos segundos para carregar o próximo cenário. 

A exploração de planetas envolve sempre a escolha do jogador em determinar um local de pouso. Através de algumas características determinadas para o planeta, o jogo alinha um cenário criado proceduralmente com alguns pontos de interesse, fauna e flora para o jogador procurar e explorar. Cada cenário conta de 8 a 4 km quadrados e, já que até mesmo correr em Starfield é uma mecânica, acredite que são espaços mais que suficientes já que toda a exploração se dá à pé. Sim, é bastante enfadonho e a situação piora com o fato que os cenários procedurais tendem a se repetir depois de algum tempo investindo nessa atividade. Me espanta também a notória ausência de veículos para acelerar a exploração no planeta, já que é impossível pilotar a nave no espaço criado pelo jogo, infelizmente. 

Logo, a exploração só se torna necessária para encontrar recursos que serão exigidos pelo sistema de criação, seja para fazer peças de nave, bases, modificações de armas, trajes, etc. Logo há sim um grinding para conseguir melhores peças. O crafting e outras características de nave e digihacks estão relacionados também às árvores de habilidade. 

Com todas trazendo artes muito bacanas na interface, o jogador poderá investir em cinco pontos diferentes trazendo cada um deles quatro andares de habilidades diferentes. Além disso, cada habilidade pode ser aprimorada após o jogador conseguir cumprir certo desafio que desbloqueia o progresso. É um fato sim interessante, mas que pode deteriorar a experiência conforme o jogo avança, exigindo que o jogador dedique mais horas em atividades repetitivas para conseguir aprimorar uma determinada habilidade. Ainda assim, sem dúvidas se trata de uma evolução divertida do que as vistas em outros projetos do estúdio. 

Há muitos elementos de imersão também. Diversos planetas possuem características distintas que podem aplicar condições de status para o jogador que poderá ficar doente de diferentes formas, seja com tosse (que vai arruinar suas abordagens stealth) envenenamento ou até mesmo hipotermia. Os status podem ser removidos com remédios. O problema é justamente encontrar o remédio certo. 

Em cidades polo como Nova Atlântida, Akila e Neon, o jogador consegue encontrar mercados, mas é preciso prestar atenção nas sinaleiras já que não existe nenhum mapa relativamente detalhado no jogo inteiro – algo que considero uma falha, já que é possível ficar perdido até encontrar o que está procurando. Há um sistema de pontos de interesse que podem auxiliar a exploração e é bastante importante ter o scanner em mãos para facilitar a navegação em cidades densas. Ele também oferece alguns atalhos bem vindos de viagem rápida. 

Felizmente a navegação no espaço é um pouco mais tranquila, ainda que depois de um tempo seja feita através de menus e com viagem rápida. Porém, no começo, as mecânicas de navegação são bem boas, com um sistema de distribuição de energia bem inteligente permitindo que o jogador se adeque a qualquer adversidade imprevista. Seja apostar no aumento do poder de fogo da artilharia ou fortalecer escudos e aumentar a velocidade dos motores. O combate das naves também é divertido, mas acaba envelhecendo rápido, além do espaço nunca realmente obedecer o nível recomendado para inimigos que podemos encontrar. 

Ainda assim, não é problema, já que a péssima inteligência artificial segue o padrão dos outros jogos da Bethesda. Os inimigos dificilmente traçam qualquer estratégia, sempre partindo direto para o confronto, metendo tiro enquanto estão expostos. Então a abordagem do jogador é sempre lascar uma tempestade de balas nos oponentes com o arsenal muito expansivo que o jogo oferece. A IA dos companheiros também segue ruim, inclusive com eles comprometendo qualquer tentativa de stealth em missões que exigem que você não seja detectado. 

O combate é sim bastante divertido, mas poderia ser mais caprichado. Não há um sistema bom de coberturas também, mas pelo menos tudo funciona bem tanto na jogabilidade em primeira quanto em terceira pessoa. Eu geralmente gosto da visão em terceira pessoa, ainda mais aqui que é possível ver o belo trabalho de design para os uniformes, trajes, propulsores e capacetes espaciais. 

As armas, apesar de termos diversos tipos, infelizmente não são elaboradas de forma a permitir que o jogador seja incentivado a trocá-las em combate para se livrar facilmente de determinados tipos de inimigos. Logo, é mais fácil se ater a uma arma automática com alto índice de dano e ser feliz. 

Outra mecânica que também não se torna um pesadelo para o jogador é a capacidade de inventário que é muito reduzida. Após pegar alguns poucos kilos, o personagem se torna pesado e passa a não conseguir correr com eficiência e impossibilitado de realizar viagens rápidas – e, acredite, ter esse status negativo durante uma exploração em um planeta deserto com a nave a alguns km de distância é motivo para chorar e decidir quais itens terão de ser abandonados – aliás, fica o elogio para todos o trabalho dedicado na modelagem de itens, todos únicos e muito bonitos, que preenchem diversos cenários densos. Logo, recomendo que o jogador invista muitos pontos de habilidade para aprimorar a força física do personagem para conseguir carregar mais carga. 

Mais um ponto que não posso deixar passar batido é a trilha musical soberba do jogo que com certeza deve ser escolhida como a melhor do ano no Video Game Awards – disputando em igualdade com as músicas de Baldur’s Gate 3. O trabalho do compositor Inon Zur consegue ser original enquanto também traz homenagens musicais a John Williams e Hans Zimmer, conseguindo encaixar temas que abraçam todo o romantismo de compositores como Tchaikovsky e Strauss com a modernidade de batizas de sintetizadores tiradas diretamente de O Exterminador do Futuro. É algo realmente espetacular que marcará uma geração inteira – assim como aconteceu com as músicas de Skyrim. 

Starfield não possui veículos terrestres por escolha de design
Bethesda

A expectativa foi para o espaço

Starfield, como amplamente apontado na análise, está longe de ser uma obra perfeita, mas isso também não quer dizer que seja um jogo medíocre. Na verdade, levando em conta todo o catálogo do Xbox Series em seus exclusivos, Starfield se destaca pela originalidade e diversão ao trazer boas histórias, um combate que diverte e uma exploração razoável que possui espaço para ser aprimorada nas futuras expansões. Aliás, é também o lançamento com menos bugs bizarros que já vimos nos jogos da desenvolvedora. 

Para quem ansiava ferozmente por Starfield e caiu no papo de Todd Howard, fica a lição: nunca se deve levar as promessas da Bethesda tão à sério assim porque, no fim, a expectativa exagerada acaba comprometendo a experiência final do jogo – qualquer produto sempre será melhor na sua imaginação do que na realidade.

Fico feliz de ter aprendido a minha lição na época de Fallout 3, o que, agora, 15 anos depois, acabou me permitindo ter uma experiência bastante divertida e recompensadora. Então fica sim a minha recomendação, principalmente para os assinantes do Game Pass. Agora é hora de voltar a explorar a vastidão do espaço e descobrir quais outras grandes surpresas me restam em Starfield e seu escopo massivo. 

Agradecemos à Bethesda pela cópia gentilmente cedida para a análise.

Redator, jornalista e fotógrafo formado em Cinema que até hoje gosta de espalhar ao mundo as últimas novidades sobre o audiovisual. E-mail: [email protected]