Review | Final Fantasy VII Rebirth consegue ser apoteótico mesmo na metade da jornada

Final Fantasy VII Rebirth já está disponível exclusivamente para PlayStation 5. Em um futuro próximo, uma versão de PC será lançada.

Review | Final Fantasy VII Rebirth consegue ser apoteótico mesmo na metade da jornada

Até mesmo entre quem nunca jogou um título Final Fantasy na vida, sabe que existe um culto fortíssimo pelo sétimo título da saga que se tornou uma pérola da primeira geração do PlayStation. Apresentando a franquia para gráficos em 3D, o jogo de 1997 tornou tudo ainda mais grandioso e cinematográfico. 

A turma de Cloud Strife e seus amigos Barret, Tifa e Aerith conseguiu se cravar no imaginário popular como os personagens mais memoráveis de Final Fantasy até então. Com décadas se passando e diversos novos jogadores conhecendo a franquia, a comunidade de fãs implorava frequentemente à Square Enix que um remake da grandiosa jornada de Cloud fosse feito. 

Anunciado em 2015, Final Fantasy VII Remake foi chegar às lojas somente em 2020 e, pouco antes disso, a desenvolvedora revelou que o remake consistiria em três jogos completos, marcando uma nova trilogia em um mesmo universo pela primeira vez desde Final Fantasy XIII. 

Menos de quatro anos depois do lançamento da primeira parte, a Square Enix entrega um novo magnum opus com Final Fantasy VII Rebirth que é uma verdadeira apoteose da saga elevando a um nível nunca antes visto sendo uma experiência fantástica tanto para novatos quanto para veteranos. 

Carregando o mundo nos ombros 

A narrativa de Rebirth retoma imediatamente de onde a história do Remake se encerra. Nos reencontramos com Cloud, Barret, Tifa, Aerith e Red XIII momentos depois da grandiosa batalha final do clímax do jogo anterior, com o setor sete de Midgard totalmente destruído, aniquilando milhares de vidas. 

Sabendo que Sephiroth está livre pelo mundo, o grupo firma o objetivo de eliminar essa ameaça apocalíptica, deixando a Shinra como uma ameaça secundária. Entretanto, encontrar o inimigo é uma tarefa mais difícil do que se imaginava, levando o grupo a viajar uma jornada continental. 

Livre dos corredores de Midgar e o formato de mundo semi-aberto, a Square Enix procura impactar com a dimensão massiva do mundo aberto de Rebirth. Aqui, enfim, a desenvolvedora consegue apresentar o conceito de sandbox que ela flertava desde Final Fantasy XV que foi o primeiro título a trazer uma experiência mais ou menos similar à sua primeira metade. 

Logo, é impressionante o nível de qualidade e entrega que a Square Enix conseguiu elaborar em Rebirth com um jogo produzido inteiramente em pouco menos de quatro anos. Com essa mudança, não pense que o título está menos cinematográfico graças a liberdade de exploração. A apresentação da narrativa é provavelmente uma das melhores da saga e possui um ótimo filmete no menu para apresentar ou relembrar eventos do primeiro jogo. 

Por isso, a história nunca fica estranha ou complicada para o jogador até mesmo para aquele que vai conhecer a narrativa justamente agora com o segundo jogo. Em diversos diálogos, os próprios personagens contextualizam eventos importantes que já aconteceram, além do fato de Rebirth ser um miolo que expande muito a metade do jogo original, focando em trazer retratos ainda mais íntimos do rol de personagens protagonistas. 

A própria natureza do jogo é relativamente lenta, embora cativante. Os respiros são necessários para desenvolver os personagens veteranos do jogo anterior, oferecendo arcos dramáticos densos. Por exemplo, Barret ganha um backstory muito rico e trágico. Diversos elementos da narrativa original são expandidos tornando os personagens ainda mais interessantes e originais. 

O fator da relação entre os coadjuvantes e Cloud é de tanto destaque que oferece a nova mecânica de sinergia. Enquanto uma longa batalha se desenvolve, Cloud pode ativar um poderoso golpe em dupla com determinado parceiro de equipe podendo alterar a dinâmica de uma luta significativamente. As sinergias também podem acontecer entre os outros personagens. 

Se o contraste entre Cloud e seus amigos já era bem rico no Remake, em Rebirth o estilo estoico do personagem entra em rota de colisão diversas vezes com a fofura de Aerith ou o entusiasmo de Yuffie, por exemplo. Os diálogos são ótimos e trazem boas doses de comédia e drama. 

Aliás, mais uma vez os roteiristas acertam em preservar o tom absurdo e cômico de diversas passagens do original ao jogar o grupo em situações inusitadas e hilariantes. Seja dentro de missões principais ou nas diversas histórias secundárias que, felizmente, estão muito caprichadas oferecendo narrativas peculiares e personagens repletos de personalidade. 

É um momento extremamente raro dentro da minha carreira que consigo admitir não ver grandes defeitos dentro da narrativa de um jogo. Claro, há sim algumas conveniências narrativas e, por vezes, o conteúdo expandido pode tornar a história mais arrastada do que deveria, mas tudo isso se torna menos relevante se encarar a experiência do modo que foi projetado: aproveitar a relativa tranquilidade antes da tempestade ocorrer de vez com os eventos desesperadores que estão por vir na última parte. 

Então todos os momentos de respiro e de apresentação de novos personagens são apreciados, principalmente os descansos do grupo nos hotéis – onde Cloud tem a oportunidade de aprofundar seu vínculo com seus amigos e até tatear romances com Aerith e Tifa (aliás, esse triângulo amoroso permanece um ponto de tensão muito charmoso e repleto de química). 

O lado antagonista também ganha destaque com mais detalhes sobre a Shinra e suas maldades sendo reveladas, além de como a empresa afetou negativamente o passado do grupo. O mesmo com Sephiroth que recebe mais contornos em suas motivações em querer causar o fim do mundo. Porém, reforço, o destaque da narrativa é mesmo oferecer personalidades ricas para o grupo de Cloud (da mesma forma que as histórias secundárias também se relacionam com alguns deles). 

Destaco também o excelente trabalho dos atores no idioma inglês que se esforçam em tornar críveis até as mais absurdas situações – a descoberta de Cloud de um grupo secreto de carecas me tirou gargalhadas honestas.

A verdadeira renascença 

Como apontado no começo do texto, Final Fantasy VII Rebirth é de fato a primeira vez que a Square Enix consegue entregar um mundo aberto que foi concebido para a totalidade da experiência do jogo. 

Muito embora o mundo seja massivo e repleto de atividades, é inegável que o visual se trata da pior execução do estúdio. Produzido na Unreal Engine 4, os gráficos do jogo são muito inconstantes. Enquanto belíssimos nas cinemáticas e em planos próximos quando os personagens conversam, há uma queda massiva em nitidez e resolução em diversos trechos de jogatina. É um resultado que chega a ser inferior ao visto no jogo passado. 

Os problemas visuais estão principalmente na qualidade pobre das texturas. Seja de rochas, madeiras, paredes de caverna, enfim, são inúmeros itens que estão em texturas borradas e descuidadas, se aproximando a algo visto até mesmo no PS2. Não se sabe se é uma concessão visual para o PS5 conseguir carregar um monte de dados enquanto os personagens se movem durante a exploração ou um desleixo, mas o resultado é bem aquém do esperado. 

O jogo possui dois modos, sendo um de fidelidade em resolução 4K e outro de performance rodando a ação em 60 FPS. Joguei no modo performance a maior parte do tempo e isso já deixa o visual ainda mais embaçado que o normal. É uma verdadeira pena que isso ocorra justo aqui já que Rebirth se trata de uma experiência visual muito rica. 

Abandonando os tons monocromáticos de Midgar, temos uma paleta de cores muito mais rica aqui. E isso é muito bem aproveitado pelo design de produção espetacular que entrega uma cidade mais bela e interessante que a outra. Seja Kalm, Costa del Sol ou o Gold Saucer, é tudo surpreendente de tão belo e bem estruturado. 

Torço muito que a Square consiga fazer alguns ajustes para aprimorar a experiência no PS5, já que a versão de PC deverá aproveitar muito bem os recursos de hardwares mais parrudos. 

Se o design das cidades impressiona, o mesmo ocorre com a densidade de NPCs em tela realizando atividades, a disposição das missões secundárias, além de lojas e mini jogos disponíveis. Por diversas vezes me senti jogando um game da série Yakuza pela quantia massiva de atividades que é possível realizar. 

Entre corridas de chocobo, partidas de Queen’s Blood (uma espécie de Gwent um pouco mais complexo), lutas em arenas, simulador de naves, emulador de piano, brawlers em 3D retrô, uma partida de “futebol” entre pets, enfim, entre muitos outros. É mesmo muito conteúdo bom e divertido em Final Fantasy VII Rebirth.

Fora isso, cada região explorada como Junon e Corel, por exemplo, possuem espécies diferentes de chocobos auxiliando na exploração de algumas áreas do mapa. Com o auxílio deles, além da vantagem de cruzar o terreno mais rápido, é possível encontrar recompensas melhores ou criaturas lendárias para combate. 

Os mapas são recheados de Torres e fontes de Mako para o jogador encontrar e revelar alguns pontos de interesse. Há também atividades de fotografia e captura de chocobos selvagens. O melhor de tudo é que esse conteúdo não é disposto em uma cacofonia visual como ocorre em jogos da Ubisoft, mas são revelados pouco a pouco conforme o jogador explora o mapa, tomando bastante referências de exploração vistas em Ghost of Tsushima em usar o ambiente para atiçar a curiosidade do jogador através de dicas visuais. 

As duas únicas coisas que considero problemáticas envolvem a exploração vertical com seções de escalada em plataforma onde os controles são medíocres e pouco responsivos e com o fato da vegetação não ter nenhum efeito de física ou tesselação. Cloud e seus parceiros atravessam plantas maiores como se elas não existissem, com elas nunca reagindo à movimentação do personagem. Uma pena. 

Tornando Final Fantasy novamente Final Fantasy 

O que sempre destacou muito a franquia veterana de RPGs foi sua incrível capacidade de oferecer customizações profundas de combate. Isso foi se perdendo há bastante tempo, atingindo o ápice no XV, mas desde o Remake que Square tem conseguido unir o DNA da saga com modernizações de combate em tempo real. 

O já era ótimo no Remake se torna excelente em Final Fantasy VII Rebirth, trazendo ainda mais possibilidades sensacionais para tornar as lutas tão emocionantes quanto estratégicas. O jogador sempre tem a opção de esmagar botões contra os inimigos, mas certos desafios exigem uma leitura mais inteligente do jogo. 

Para isso, existem as barras de ação batizadas de BTAs, introduzidas no Remake e que foram mantidas aqui. Elas permitem que os personagens usem habilidades (desbloqueadas nas árvores que agora se chamam Fólios), itens, magias, o especial do limite, as sinergias para golpes em dupla e também as invocações. 

A maioria dessas oportunidades de combate são realizadas com planejamento prévio do jogador, escolhendo as matérias que darão elementos distintos para magias, vantagens e também invocações. O Fólio garante as habilidades e sinergias e só pode ser acessado em lojas próprias usando os pontos de habilidade adquiridos a cada nível conquistado, além de um novo tier de habilidades sempre ser aberto quando o nível da equipe também sobe. 

Mecanicamente o sistema funciona muito bem, nunca deixando um personagem extremamente poderoso diante os inimigos e também possibilitando mudar estratégias ineficazes contra certos chefes mais difíceis. Todos os inimigos possuem fraquezas a determinados elementos e efeitos de status, além de possuírem uma barra de vulnerabilidade que, quando cheia, oferece a oportunidade de desferir os golpes mais fortes. 

Os personagens também possuem suas particularidades e ritmos de batalha. Alguns tem dois modos de combate, outros têm maior aptidão a contra ataques e bloqueios eficazes, enquanto outros são muito ágeis para desferir golpes e encher as barras de BTAs quase que instantaneamente. 

Infelizmente ainda não é possível pular, seja em combate ou na exploração, o que torna as lutas contra inimigos aéreos um pouco mais burocráticas. Seria bom que no próximo jogo, o O fosse o comando tanto para esquivas como para pulos, se fosse pressionado por mais tempo por exemplo. De resto, não há nada além de elogios para o sistema de combate muito criativo e divertidíssimo. Também é digno de nota o trabalho exemplar na interface do usuário. Mesmo com muitos elementos em tela, tudo é organizado e fácil de compreender e customizar.

Aliás, em todas as lutas contra chefes, há momentos de fluidez extrema na mistura de cinemática que apresentam coreografias elaboradas para as transições que dão o controle de volta ao jogador. É puro brilhantismo cinematográfico aliado ao esplendor da trilha musical riquíssima da obra. 

O sarrafo mais alto

Não há dúvidas: Final Fantasy VII Rebirth é um dos concorrentes mais fortes ao jogo do ano. A Square Enix conseguiu pegar o miolo do jogo clássico e transformar em uma experiência de puro prazer, além de aprimorar ainda mais o sistema de combate que unia a agilidade do tempo real com a possibilidade da estratégia e da mudança instantânea do controle de personagens no meio da batalha. 

A história mantém a essência de aventura, descobrimento e bizarrices cômicas do original, mas expande em grande proporção a história de seus personagens tão queridos. Até mesmo quem nunca jogou o Remake consegue se apaixonar com facilidade pelo carisma desse grupo tão diverso, divertido e também muito machucado por um passado assombrado pela Shinra e até mesmo por Sephiroth. 

Em um momento no Brasil que os jogos estão mais caros do que nunca, não tenho o menor medo de afirmar categoricamente que Final Fantasy VII Rebirth se trata de uma compra obrigatória e muito merecida do seu dinheiro. O jogo traz facilmente mais de 70 horas de conteúdo de altíssima qualidade sem forçar a barra na repetição nas atividades secundárias. 

Por incrível que pareça, o jogo trouxe uma apoteose inesperada para o meio da trilogia. Agora a Square Enix e o time de Haoki Namaguchi, Tetsuya Nomura e Yoshinori Kitase têm uma missão extremamente difícil: tornar a conclusão da trilogia prevista para 2028 em uma experiência ainda melhor que a proporcionada agora com Rebirth. 

Até lá, vou seguir confiando no talento imensurável desse time que conseguiu tornar Final Fantasy VII uma experiência tão convidativa para todos. Meus votos de boa sorte para todos os profissionais envolvidos na produção do próximo jogo.

Agradecemos à Square Enix pela cópia gentilmente cedida para a realização desta análise.