Crítica | A Casa do Dragão tem tropeços, mas termina 1ª temporada com louvor

A Casa do Dragão salva a HBO e também a franquia Game of Thrones, comprovando que a marca ainda tem muita história para contar.

a casa do dragão
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A HBO precisava com urgência justificar a própria existência para a Warner após a empresa ser adquirida pela Discovery. Sob a gerência de David Zaslav, o executivo não tardou a mostrar que estava disposto a fazer o inimaginável para conter gastos na empresa com déficit de bilhões. 

Com um 2022 relativamente morno de lançamentos para a emissora, restava o lançamento de A Casa do Dragão funcionar como um super-trunfo, mesmo após o muito criticado encerramento de Game of Thrones, maior sucesso da HBO até então. Felizmente, a proeza de fazer um raio cair no mesmo lugar duas vezes foi realizada e a derivada de GOT se tornou um fenômeno quase que instantâneo após a excelente estreia. 

A Casa do Dragão
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Fogo e Sangue

Situada por volta de 200 anos antes de Game of Thrones, A Casa do Dragão acompanha o dilema da sucessão real após o rei Viserys Targaryen (Paddy Considine) nomear sua filha Rhaenyra (Milly Alcock) como a próxima rainha de Westeros quando morrer. Entretanto, a esfera política muda para pior quando Viserys decide se casar com a melhor amiga de Rhaenyra, Alicent (Emily Carey), e, com ela, acaba tendo seu primeiro filho homem, Aegon. Esse evento acaba colocando a linha de sucessão em cheque, deixando o reinado de Viserys instável até o fim. 

São inúmeras as forças da primeira temporada de A Casa do Dragão que, apesar de contar com maior valor de produção e muito mais ação, por muito pouco não supera a primeira temporada de Game of Thrones cuja maior potência, além do elenco inesquecível, era o texto afiadíssimo. Entretanto, é uma comparação um tanto quanto injusta, afinal Fogo e Sangue, livro que inspira a série, não conta com uma prosa similar a de As Crônicas de Gelo e Fogo

No caso, a série traz uma nova interpretação dos fatos que levam aos eventos da Dança dos Dragões, a guerra civil Targaryen, se valendo por vezes de algumas alterações no que é dito nos livros – que é explorado por dois narradores nada confiáveis. Porém, mesmo com alterações que, em maioria, são bem-vindas – com exceção de um absurdo narrativo envolvendo Criston Cole nos momentos finais do quinto episódio, a maior força do texto da série está justamente no filler.

Por exemplo, o terceiro episódio é praticamente inteiro uma encheção de linguiça, mas é brilhantemente escrito, conseguindo delinear complexidade a Viserys que começa a notar a besteira que fez ao se casar novamente, prejudicando quem ele mais amava, Rhaenyra, a lembrança viva de sua esposa morta por outro equívoco seu. É justamente quando a série desacelera e explora um pouco mais a interação entre seus personagens que o nível sobe e muito. 

Em geral, o ritmo da temporada é bastante acelerado. Em parte, enquanto isso é benéfico, pois em uma só temporada todo o jogo já é montado para a Dança acontecer, também prejudica, principalmente na segunda parte da série que sofre com mais trocas de elenco em questão de pouquíssimos episódios. Com esse vai e vem de rostos novos, é fácil se perder nos personagens (que são muitos) como também prejudica o espectador a criar um forte vínculo com cada um. 

Esses tropeços, apesar de poucos, são significativos e a qualidade do texto e da direção costuma variar a cada episódio. Até mesmo o excelente Miguel Sapochnik consegue derrapar feio no sétimo episódio ao novamente insistir em uma fotografia estupidamente escura – assim como no infame episódio da Longa Noite de Game of Thrones. 

Porém, para cada erro, há ao menos dois acertos. Entre eles, como sempre, está a escolha prudente do elenco que nunca decepciona. Temos performances notáveis ao longo de toda a temporada, mas de fato é Paddy Considine quem rouba todas as suas cenas até conseguir entregar com louvor um trabalho digno de Emmy no oitavo episódio. 

O próprio George R.R. Martin admitiu que Considine criou um Viserys melhor que o do livro e isso é um fato absoluto – muito também pela ideia de conferir uma doença degenerativa debilitante no personagem. 

Ainda que Considine seja brilhante na série inteira, atores tão bons quanto também marcam presença com Milly Alcock entregando uma jovem Rhaenyra que consegue eclipsar a performance de Emma D’Arcy na segunda metade da temporada e também com Matt Smith, trazendo um Daemon fiel aos livros repleto de nuances que fazem do personagem um anti-herói.

Viserys Targaryen
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Reta Final

Nos últimos dois episódios, felizmente, o saldo é positivo. Sabiamente, a série separa os pontos de vista entre os Verdes e os Negros, trazendo a coroação de cada um dos lados. Aqui, há algumas alterações valiosas que, no fim, não devem trazer mudanças significativas aos eventos já revelados no livro, mas que tornam os personagens mais complexos. 

Uma pena que os roteiristas inventaram um problema totalmente desnecessário no final do nono episódio, com Rhaenys podendo encerrar todo o conflito em questão de segundos, mas que opta apenas por se manter neutra no momento.

 É um evento bem mais bizarro que o que envolve Aemond e Lucerys, cuja trapalhada histórica aumenta mais o tom trágico da guerra que está por vir. É uma adição que corrobora bastante com o que Viserys diz no começo da temporada sobre o fato dos Targaryen acreditarem que “controlam” os seus dragões – aliás, não faria mal algum se a série tivesse dedicado mais alguns minutos em explorar esse vínculo dos personagens com os répteis fantásticos. 

No geral, o saldo da primeira temporada de A Casa do Dragão é extremamente positivo. A série emociona, traz momentos memoráveis e ainda consegue provar que o compositor Ramin Djawadi ainda tem alguns bons temas musicais para entregar – fora conseguir colocar todo o talento de Greg Yaitanes como diretor em evidência. 

Ainda há muito espaço para melhorar na vindoura 2ª temporada que será explosiva com eventos arrepiantes, mas no que se refere a este ano, a série conseguiu duas grandes proezas: salvar a HBO e comprovar que a obra fantástica de George R.R. Martin ainda tem muitas histórias para contar. 

Redator, jornalista e fotógrafo formado em Cinema que até hoje gosta de espalhar ao mundo as últimas novidades sobre o audiovisual. E-mail: [email protected]